Como Trabalhar com Ciência na Amazônia?

Por Jackson Rego Matos

Do dia do trabalho, do trabalhador, das trabalhadoras, dos que fazem e dos que não tem o que fazer. Dos jovens que querem e também dos que não sabem hoje o que fazer, mas que precisam de um direcionamento com nitidez e lucidez, faço essas considerações a partir de uma necessidade: um maior protagonismo amazônico. 

 

Como um trabalhador da classe dos docentes, faço hoje estas reflexões sobre o que é trabalhar e como trabalhar com ciência, tecnologia e educação nesta grande porção do Brasil, o Norte que contém mais de 60 % de seu território e mais de 25 milhões de habitantes de acordo com os dados oficiais do IBGE de 2021.

inovação nos campos da biotecnologia e biodiversidade. Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Do bioma com maior importância para o equilíbrio do clima mundial, sendo a maior fábrica de compostos químicos ultrapuros e uma floresta bioenergética com potencialidade real e futura para produzir remédios e oferecer os serviços ambientais essências para toda a humanidade, tanto no nível material como imaterial, que envolve da água, biodiversidade e conhecimentos ancestrais e tradicionais.  

 

Acontece que, a partir de uma complexa relação entre o ser humano, plantas, animais, rios e ecossistemas, vemos a região ser perdida pela inanição de uma política que valorize suas populações. É preciso uma política que dê visibilidade à uma grande porção de sabedores e fazedores de uma cultura que conserva e protege há milênios a natureza. É preciso um política que valorize quem aprendeu a separar os que querem ajudar dos que querem apenas explorar e expoliar, seja com o garimpo que alimenta desde os pequenos países árabes, até os grandes que se especializaram a lapidar nossos diamantes e converter nossa madeira e biodiversidade, em produtos para eles.

ICMBio - Floresta Nacional do Tapajós - Guia do Visitante
Mel produzido por famílias da comunidade Maguary, na Floresta Nacional do Tapajós

Até hoje, de retorno e concreto em termos de ciência e tecnologia temos pouco. INPA, Museu Goeldi, Embrapa e as próprias universidades federais, apesar de muito esforço, são sufocados por poucos investimentos e até por competição desigual com os grandes centros ou outros países. Esses atuam como empresas, sempre querendo mais e renegando nossos caboclos, ribeirinhos e uma gama enorme de diversidades –seus verdadeiros conhecedores e amantes deste espaço– a meros consumidores. Isso acontece simplesmente pela miopia da lógica capitalista, que se perde em interesses particulares, não reconhecendo um fazer histórico pautado na reciprocidade com o ambiente local e com os outros, até com forasteiros.

 

Mesmo assim, e não é contrapartida nenhuma, apenas por consciência voluntária de que é preciso fazer alguma coisa, estamos desenvolvendo a partir de esforços multidisciplinares locais e até internacionais, um processo de desenvolvimento de uma plataforma social baseada no manejo social de paisagem, onde a governança participativa (com alianças, compromissos, estabelecimento de redes e associativismo) possa enlaçar atores, governos, universidades, entidades, sindicatos e movimentos na construção de bases para uma organização social mais justa e de paz. Um modelo longe das inconsistências verbais ou falácias, que transformam terminologias como a bioeconomia e sustentabilidade em meros objetos para prateleiras de um mundo sem vida. Um modelo que busca ver a floresta em pé como real possibilidade de bem estar e qualidade de vida sana. Sabemos das boas intenções dos grandes centros, mas o novo governo federal precisa estabelecer as reais condições de diálogos, que finalmente possa ouvir e articular com os que já fazem ciência aqui há muito mais de 50 anos.   

Manejo e Conservação da Amazônia - Defesa de Memorial - O BOTO - Alter do Chão

Na região do Tapajós, já articulamos mulheres trabalhadoras do campo juntamente com seus maridos e familiares, meliponicultoras, artesãs, produtores de açaí, federações de manejadores da floresta, barqueiros, criadores de peixes a partir de ração totalmente a base de frutas e sementes naturais, rezadeiras, erveiras, puxadores, terapeutas naturais com aromaterapia da floresta, garrafeiras, artistas locais, estudantes de vários cursos da UFOPA e institutos privados como o IESPES, que associados à música de muita qualidade como a do violonista Sebastião Tapajós, já vem realizando pelo instituto que traz o nome do compositor (IST), ações de integração e revelação de talentos, como o que vimos no primeiro festival de violão, no lançamento do museu virtual que traz a história de sua vida e obra e na orquestra de violão composta por 16 jovens e amantes da arte musical deste artista, que hoje executam sob a batuta do maestro Edmarcio Paixão, as belas músicas que retratam nossa identidade e cultura.

Novo portal do Instituto Sebastião Tapajós/ IST https://institutosebastiaotapajos.org/

Isto se dá graças a muita luta e parceria como a com o Instituto Cabana do Tapajós, presidido pela Engenheira Florestal e Enfermeira Franciane Santana Matos, com o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico Racial do MPPA (Ministério Público do Estado do Pará), da UFOPA através do Projeto Luz e Ação da Amazônia e de muito trabalho comandado pelo cantora e compositora santarena Cristina Caetano, juntamente com a esposa do Sebastião, Tanya Macião, que dia e noite motivaram e incentivaram jovens bolsistas, pesquisadores, historiadores, museólogos, restauradores e designers de website a recuperar, tratar, digitalizar e disponibilizar tanto virtualmente como presencialmente, toda uma obra que até agora contém mais de 6.000 itens e pode ser dinamizado com amigos que possuem muito mais material e histórias para contar.

Mas e a ciência oficial, como ajudar não só nestes esforços pessoais homéricos? O que foi feito, foi graças a duas emendas parlamentares de dois deputados com compromisso com a arte e a cultura (Ayrton Faleiro e Edmilson Rodrigues, hoje prefeito de Belém). Nada contra criarem centros a quilómetros de distância da Amazônia. Mas que estes não venham a barganhar os parcos recursos que são necessários para trabalhar o mínimo necessário para não transformar a Amazônia em uma lixeira química ou ter a péssima influência de aplicativos com conteúdos perturbadores entrando em nossas casas e comunidades. É preciso e urgente que estes centros e universidades extra-amazônicos adentrem sim neste espaço, mas com a instalação e metodologias que possam ver a Amazônia a partir do que ela é, estabelecendo uma nova política socioambiental com capacidade de pensar e agir de forma a atender todas as realidades, muitas vezes cruéis, como também de madeireiros e garimpeiros, nordestinos e até sulistas que pra cá vieram que nunca foram atendidos de forma séria e sim renegados à própria sorte.   

 

Precisamos, sim, de instituições fortes e políticas públicas honestas, que coloquem cientistas dialogando com todos os saberes e dê dignidade aos que conhecem dos chás, aos banhos, dos segredos e mistérios originais, dos que sabem do respeito às árvores, aos lagos, aos igarapés, a lua e aos ciclos necessários para planejar novos usos e recuperação florestal,  para que de mãos dadas, possamos caminhar em direção a vida verdadeira, como sonhou o poeta, sem sermos vistos como macaquitos a serem enjaulados para um mundo que não sabe para a onde vai, dizendo que está nos preservando, mais que na realidade sabemos o que querem é levar o que ainda resta, deixando-nos para coletar o lixo alheio. 

 

Acreditamos que a ciência é a saída utópica, mas é o que pode vir a salvar os botos, tartarugas e outros seres mágicos da maior e mais diversa floresta tropical do planeta, como as plantas e nós mesmos, como a necessária proteção aos Yanomamis, Mundurukus e mais de 200 etnias e línguas que precisam de seus territórios para sobreviverem, contribuindo enormemente no combate às mudanças climáticas, sabidamente produzida pelo mundo industrial que tem sede nos grandes centros que cantam as politicas que só enganam a si mesmos e poucos se que iludem com estes cantos de sereias perdidas. Querem se salvar? Ajudem a criar frentes de ciência aqui, aliando-se a nós, sem se iludirem mais, pois sem a Amazônia, não tem saída. 

 

É aqui na região do Tapajós, entrando no estado do Amazonas em direção ao rio Madeira  que está a área de maior endemismo tropical, com grande quantidade de madeira de espécies de alta qualidade como o ipê, que sai a preços de banana aos grandes centros e deixa um rastro de destruição e os piores índices de desenvolvimento humano como os vistos na gleba Mamuru-Arapiuns. Em contrapartida temos a Floresta Nacional do Tapajós que completará 50 anos em 19 de fevereiro de 2024 e a Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns. Junto com alguns projetos de assentamentos extrativistas e cidades como Santarém, Belterra e Aveiro, somam mais de 4.000.00 ha. É aqui que agora junto com parceria com a Ufam e outros centros de pesquisas, criamos em conjunto com o Serviço Florestal Brasileiro, a FLOMAT (Floresta Modelo Amazonas-Tapajós). Está criada desde 2017, e segue um modelo inovador exitoso em mais de 35 países e todos da América Latina. Funciona muito bem em áreas da Costa Rica, Colômbia, Guatemala. 

 

Temos a necessidade de muita ciência e dedicação para fazer funcionar. No Pará temos o NAEA, várias inteligências e instituições de muito respeito. Já tivemos o LBA (Programa de grande escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia) e muitas pesquisas que muitas se perderam na poeira do tempo e do veneno da soja. Precisamos que o Brasil reconheça  e assimile o que funciona, sem mais exclusão, senão o novos centros correm o risco de serem recebidos como os parlamentares que vieram aqui para aprovar uma  “Carta” que nunca terá legitimidade. Sem um processo transparente, estes tiveram que correr para serem abrigados numa casa que não ouve seu povo. Os que são legítimos para falar, são os que vivem e sentem a Amazônia na própria pele e alma e sabem o que é ser um amazonida, que mesmo alguns que não nasceram aqui,  mas aprenderam a amar e querem um país saudável,  não medindo nenhum esforço para conhecer e viver numa natureza limpa, como nós, os caçadores das sondas perdidas e seus diversos colaboradores, como os cabocos.

2 respostas para “Como Trabalhar com Ciência na Amazônia?”

  1. Avatar de Josenildo Souza
    Josenildo Souza

    Boa noite.
    Estimado professor Jackson Rego, nos anos 70 o projeto de desenvolvimento da Amazônia tinha e continua tendo a centralidade de categorias como vazio demográfico, pulmão do mundo, eldorado, subdesenvolvimento, povos atrasados e a pose de territórios (mega projetos como por exemplo Belo Monte). Muitos projetos como o da renomada USP, ignoram e invisibilizam propositalmente as instituições de pesquisas (NAEA/UFPA), Museu Emilio Goeldi/Pará), INPA/AM, grupos de pesquisas, programas de pós-graduação e os pesquisadores das instituições da Região Norte. Com o novo governo e os recursos internacionais para a Amazônia, abriu-se um novo nicho para captação de recursos frente a escassez a que foram submetidas as instituições públicas.
    Essa realidade que se apresenta, também é visível em alguns projetos e produções cientificas que não citam autores que nitidamente foram consultados e aparecem nos escritos, mas não são referenciados. De igual modo, se faz presente em muitos projetos de pesquisa e extensão, em projetos de instituições municipais que não citam projetos que já desenvolvidos anteriormente com a mesma temática e objeto. Outro aspecto, é a quantidade de Universidades na Região Norte e em outras regiões do Brasil. Além da extrema desigualdade social vivenciada pelas populações da região norte, existe a extrema desigualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior público e pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. Essa é uma realidade nua e crua.

    1. Avatar de jackson

      E ainda tem “colegas sudestinos” que moram aqui , achando que está havendo preconceito regional com eles .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *