Os caçadores da sonda perdida

Por Eduardo Serique

A ideia era trazer o meu novo amigo Gauthier (que não é Theofille) para tomar café com tapioca e ver o pôr do sol do Cuicuera. Gauthier é circense, francês de nascimento, e faz nove anos que veio pra estas bandas. Encantou-se por Alter do Chão e foi ficando, foi ficando, até que ficou de vez. Ele estava na beira da estrada pedindo carona pra Santarém. Foi quando o conheci. Abri a porta do carro. Mal ele entrou e já fomos entabulando aquele tipo de conversa de velhos amigos que acabaram de se conhecer. Falei que morava num barco, o Cuicuera, e ele quis porque quis conhecê-lo. Ficamos de marcar um dia da semana seguinte. 

– Tenho que resolver umas coisas, primeiro – falei. 

O dia chegou. Ontem, 29 de abril, liguei cedo pra ele e marcamos de nos encontrar às cinco da tarde ali na frente da casa do Chico Malta. 

– Confirma vinte minutos antes – eu disse. 

Ele respondeu: 

– Sou gente que não atrasa.

Cheguei às cinco em ponto. Gauthier estava lá, ansioso, esperando. Pedi que aguardasse mais 15 minutos enquanto eu ia até o posto comprar gasolina pra colocar na lancha Norah. Ele fez que sim com a cabeça. Quando eu voltava do posto, encontrei Jaquesson e Fran. Estendi o convite: 

– Vou mostrar o Cuicuera para um amigo. Se quiserem ir, estão convidados. Vai ter café com tapioca e pôr do sol. 

Eles toparam. 

Jaquesson e Fran não carecem de apresentação. Duvido quem nunca tenha ouvido falar do casal. Jaquesson conhece meio mundo; o outro meio mundo conhece a Fran. O jaquesson é professor na UFOPA e a Fran é enfermeira. É a dupla mais querida, simpática e prestativa que conheço. 

Eu fazia as tapiocas quando o Tota ligou: 

– Mano, estou em Alter, vim te visitar. 

– Estou enrolado agora, mano – respondi – Pega uma bajara e vem pra cá. 

Aí já fui peneirando a goma pra mais uma tapioquinha e adicionando água no café. Quinze minutos depois, no piso superior do Cuicuera, nós cinco conversávamos feito gente grande. Nem vimos o sol se pôr de tão boa que estava o papo.

Tota é professor da UFOPA. Somos amigos há pelo menos 35 anos. Um mais-que-irmão. Falou que veio caçar uma rádio-sonda que ia cair ali próximo: 

– Todo santo dia, duas vezes por dia, no mundo inteiro, cerca de mil e seiscentos artefatos desse tipo são lançados no ar –  Tota explica. 

Diz o meu amigo que elas servem pra medir as variáveis climáticas nas regiões onde foram lançadas. Elas são presas a um balão de gás. Quando atingem certa altitude, o balão estoura e elas caem em algum ponto da terra. Aqui na região de Santarém, duas delas são lançadas diariamente até às nove horas da manhã e duas outras até as nove horas da noite. Assim que o balão estoura, elas passam a ser consideradas descartadas. O órgão responsável pelo lançamento se exime de pegá-las de volta. Ao cair elas se tornam lixo, poluindo o meio ambiente. São dotadas de duas baterias; o balão é feito de um material altamente resistente, levando coisa de alguns séculos para se desfazer na natureza. Assim que ela começa a cair, um paraquedas é aberto automaticamente. A descida é lenta o suficiente pra não machucar a cabeça de algum distraído que esteja passando por baixo. Tota sabe como localizá-las ainda durante a queda. Ele acompanha no celular ou no computador a descida e consegue localizar o ponto exato onde caem. O trabalho que ele faz é retirar esse lixo tóxico do meio ambiente.

A equipe de caçadores de sonda estava formada. A Fran, entusiasta número um do meio ambiente, meteu pilha: 

– Vamos atrás dela na Norah.

Era por volta das dez da noite. 

– Mas a Norah não tem luzes de bordo – argumentei ainda não contaminado pelo entusiasmo da Fran. 

– E pra que serve essa lua aí? – ela respondeu. 

Pronto. Foi a senha. Entramos na Norah e saímos na claridade escura da noite pra resgatar o artefato.

Eram onze da noite. Quase na entrada da Floresta Encantada. A Fran foi a primeira a avistar:

– Ali – apontou. 

Missão cumprida com sucesso! Pegamos o bicho com a pá do remo e o trouxemos pra dentro da Norah. 

E foi assim, sob a luz da lua crescente e aquele monte de estrelas pinicando no céu que retornamos a Alter. Aportamos na escadaria. Jaquesson, Fran e Gauthier retornaram pras suas casas, Tota e eu retornamos ao Cuicuera. 

E aqui encerro esta crônica da caça à sonda poluidora do meio ambiente. A equipe reforça o compromisso para novas batalhas e convida a população de Alter do Chão para participar dessa empreitada. Quem localizar algum desses artefatos, favor entregá-lo na Cabana do Tapajós ou no barco Cuicuera. Agradecemos antecipadamente.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *